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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Greves do funcionalismo federal: um Estado forte exige uma burocracia preparada e satisfeita



Há quase três meses o governo Dilma enfrenta - em silêncio - mais de trinta greves distintas de funcionários públicos federais. O silêncio pode parecer resignação, mas não é. Significa, lamentavelmente, o mutismo da autoridade que se recusa a dialogar com a burocracia estatal.

Somente a um setor o governo federal dirigiu alguma atenção face ao conflito aberto no qual ambos estão submetidos, esse setor é o dos professores do ensino superior federal.
O Estado moderno exige necessariamente uma burocracia organizada e preparada para as tarefas administrativas que as macro instituições impõem.

Com o advento do ideário neoliberal, a partir do final da década de 1970 e anos 1980 em diante, a burocracia estatal foi demonizada, passou a ser objeto da materialização de todos os deficiências atribuídas ao Estado.

Prevaleceu a ideologia do Estado mínimo, capaz de se desfazer de suas grandes atribuições políticas em favor das livres forças do mercado. As políticas públicas passaram a ser vistas como freios à liberdade do empreendedorismo. A regulação do Estado foi taxado de representar um golpe contra as liberdades individuais e negociais.

Margaret Thatcher, a ex-primeira ministra britânica entre 1979 e 1990, e grande dama (de ferro) do neoliberalismo, chegou a afirmar que “a sociedade não existe”. Conforme ela, só existem os indivíduos e suas famílias. Evidentemente, foi uma forma de justificar o encolhimento do Estado e a dispensa de parcela majoritária de sua burocracia, bem como a venda de patrimônio público na bacia das almas.

À diminuição do Estado correspondia ao aumento do poder dos capitais, especialmente o capital financeiro, e a autonomização da esfera econômica, em detrimento da participação política da cidadania. Com o encolhimento dos direitos do cidadão houve o inchamento dos valores do individualismo e do poder dos mercados.

Afortunadamente a crise financeira de 2008 e as sequelas que ecoam por toda a Europa, ainda hoje (e por muito tempo) mostraram a derrocada do modelo neoliberal, ainda que à custa de sofrimento e mais dano para os direitos dos trabalhadores, convocados que foram - mais uma vez - para pagar a conta da farra especulativo-financeira do capitalismo de cassino.

No Brasil, a partir do segundo governo Lula, houve uma guinada importante, aprofundada por Dilma Rousseff. O grande fato político - a meu ver - foi a determinação de baixar os juros correntes no País, hoje, ainda alto, na faixa de 8% ao ano, mas com tendência de descenso até a taxas civilizadas de 1% ao ano, ou menos. Ora, isso permite e fomenta a retomada do desenvolvimento produtivo e sustentável, em vez de drenarmos dinheiro para o capital financeiro parasita, excludente e recessivo.

Neste sentido, é estranho e paradoxal o comportamento fechado e autoritário do governo Dilma para com o movimento reivindicatório dos funcionários públicos federais. A retomada de políticas públicas de indução do desenvolvimento exige um Estado mais organizado, com um corpo técnico-funcional dispondo de melhores condições de trabalho, com remuneração justa e incentivo a uma carreira que lhe aporte satisfação profissional e existencial.

A hora é de superar a hegemonia de três décadas do poder econômico sobre a esfera política. Para tanto, urge o fortalecimento do Estado e de políticas públicas horizontais e republicanas. Urge, igualmente, apostar mais na burocracia do Estado, e não ignorá-la e segregá-la a um papel secundário e até dispensável, como quis o neoliberalismo nos últimos trinta anos, no mundo todo.

O governo Dilma não tem prática nem vocação neoliberal, não tem o direito, portanto, de fazer experiências, ainda que episódicas, de neoliberalismo tardio, como ora equivocadamente parece estar ensaiando na relação com o funcionalismo. É mais que necessário robustecer o Estado, e não de debilitá-lo, por via do descaso ou de relações desqualificadas com o seu corpo funcional. 

Artigo de Cristóvão Feil, publicado originalmente no Jornalismo B, número 42, edição da primeira quinzena de agosto/2012, versão em papel.   

4 comentários:

Carlos Eduardo da Maia disse...

A melhor forma de se fazer a necessária inclusão social (será que alguém é contra isso?) é exatamente fortalecer e melhorar o serviço público, sobretudo os servidores da educação. Por que os professores sulcoreanos recebem 4 vezes mais do que os brasileiros? Não basta, contudo, recebe bem, cabe ao estado avaliar, traçar diretrizes e metas ao servidor publico e incentivar, com meritocracias, aqueles servidores que conseguem cumprir essas metas.

Inclusão social se faz sobretudo, com bom serviço público que tem de ser avaliado (como ocorreu com o nosso pífio índice do IDEB 2012) e com a implantação de meritocracia, como ocorre nos países socialmente desenvolvidos.

Ed.Londero disse...

O funcionalismo federal é o mais bem pago do país, o topo das carreiras nacionais se igualam ao topo dos salários pagos na Europa e nos EUA.
Não dá para embarcar nessa lenda urbana de supersalários pinçados a dedo mundo a fora e esquecer que temos vários passivos:
1) 50 milhões de pobres excluídos de VERDADE, sem emprego, nem estabilidade,
2) Uma infraestrutra sucateada que infla os preços de todos os bens e
3) Uma elite empresarial despreparada e camadas amorfas urbanas desprovidas de ambições e audácia semelhantes à coreana, finlandesa ou chinesas.
Ninguém quer nada com nada !!
O país só investe, planeja e cresce se o governo tomar a iniciativa.
Não dá para chegar a super salários e amputar a pouca capacidade de investimentos do Estado.
É matar a galinha dos ovos de ouro.
E não dá para dar aumentos lineares de salários, apenas aumentos moderados para as categorias inferiores, pois o índice de Gini dos salários da União ainda é muito ruim e permite ajuste por esse lado.

Anônimo disse...

O ¨funcionalismo federal¨ não existe como uma realidade única, seja econõmico-social, política ou cultural (basta perceber que até inícios dos anos 1990, nem tão distante assim), grande parte dos funcionários das universidades federais eram analfabetos (embora trabalhando em instituições culturais supostamente de ponta)e sua remuneração torneava o salário-minimo, completamente diferente dos salários do congresso, da advocacia geral da união, da receita federal, por exemplo. Os salários dos professores no brasil são vergonhosos e, por ironia, se não houver federalização da educação - existe projeto nesse sentido do senador cristóvão buarque (projeto parado, no congresso) e no chile essa é a principal questão socio-política, digamos assim. Mas, o Estado brasileiro, mais uma vez, vai tirar de letra, está fazendo um acordo, muito favorável às finanças públicas e desfavorável à sociedade e aos professores. Um acordo que só começará a vigir daqui a seis meses (desde o início do ano em negociações improdutivas) e se diluirá em pequenos reajustes no correr de três anos, terminando um ano depois das próximas eleições presidenciais, no primeiro ano da próxima gestão que, como sempre, para usar de termo politicamente incorreto, vai dar uma banana pros brasileiros que trabalham duro pra manter algo de uma sociedade pública, de direitos, embora sejam tidos na grande media e por ideólogos neoliberais, inclusive com blogs aprendizes de educação, por vagabundos.

Anônimo disse...

De 2003 para cá o funcionalismo ganhou da inflação 28% a mais.
Ganhos lentos, coisas permanentes.
Preferem 500% agora, o país afundar, o governo mudar e os tucanos de volta?
O caminho lento é morro acima.
O rápido, geralmente é para baixo.

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