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quinta-feira, 4 de abril de 2013

Antígona e os corpos insepultos da ditadura brasileira


As outras sepulturas

Sempre é bom começar citando Hegel. Porque dá uma certa classe ao texto e porque, a partir de Hegel, você pode ir para qualquer lado, para a esquerda e/ou para a direita. Marx afiou suas teses criticando e às vezes assimilando Hegel, e Hegel, ao mesmo tempo em que sacudia o pensamento conservador europeu, era o exemplo mais acabado do que Marx abominava, o filósofo que explicava o mundo em vez de tentar mudá-lo. Mas minha citação de Hegel não tem nada a ver com esta divisão, mesmo porque é uma que todo mundo – a partir da redescoberta da peça no século 18 – endossaria. Hegel disse que a Antígona, de Sófocles, era o mais sublime produto da mente humana, e sua heroína a mais admirável personagem, da História.

Escrita 400 anos antes de Cristo, a peça conta a história da filha de Édipo, rei de Tebas, com a sua mulher (e mãe, lembra?), Jocasta. Antígona quer enterrar seu irmão, morto num ataque a Tebas, contrariando as ordens do rei Creonte, para quem o corpo do traidor, que permanecerá insepulto, pertence ao Estado e não à sua família. Antígona rouba o corpo do irmão para que sua alma, sem os ritos fúnebres, não se perca no mundo dos mortos, e o sepulta no meio da noite. Para punir sua desobediência, Creonte a condena a ser enterrada viva. Muitos conflitos são desnudados na peça, mas o principal deles é entre o Estado e o indivíduo, entre a lei fria e costumes antigos, entre o direito do soberano e o direito do sangue comum. O fascínio da peça para Hegel e outros tem muito a ver com o renascente interesse pela cultura grega na Europa de então mas também com a revolução que acontecia nas relações estado/cidadão no explosivo começo do século 19.

A história de Antígona se adapta ao momento no Brasil, quando se tenta investigar o que permanece simultaneamente enterrado e insepulto no nosso passado, tantos anos depois do fim da ditadura. Os corpos ainda não foram devolvidos às suas famílias, os direitos do sangue ainda não se impuseram aos direitos do Estado algoz, os ritos fúnebres de muitos continuam restritos à imaginação de novas Antígonas, tão trágicas quanto a Antígona grega. Os arquivos da ditadura estão sendo aos poucos desenterrados. Já passou da hora de abrir as outras sepulturas

Artigo de Luis Fernando Veríssimo, publicado hoje em diversos jornais do País.

6 comentários:

Oscar T disse...

Ótmio Veríssimo! Mas cadê o comentário sobre as manifestações dos estudantes? A maior que já vi em dia de chuva torrencial! Não falas nada, acho que terias algo pra dizer, certo?

Anônimo disse...

Eu tenho algo a dizer.
Onde estão os estudantes:
- quando o RS está às moscas na segurança;
- a educação só regride;
- a saúde é uma vergonha;
- enfim, o Estado está parado.
Onde estão?
Reclamando aumento de 30 centavos (0,15 para quem paga menos)o que não dá nem para pagar um baseado no final de semana.
É armação política com massa de manobra. Eu pego busão e não estava lá.

Nelson disse...

Excelente. Apesar de que, qualificar desta forma um texto do Veríssimo é quase uma redundância.

Quanto à juventude nas ruas, não deixa de ser algo alvissareiro. Esperamos que seja somente o início. É crucial para nosso país que os jovens deixem a apatia e marasmo e se engajem mais e mais nas lutas populares.

Anônimo disse...

caro anonimo das 9:40, esse discurso de onde estão os estudantes em determinados momentos é coisa de gente acomodada que não quer sair do seu sofá ou do banco confortavel do seu carro novo. desde a década de 80 tenho vito jovens(estes sim que não envelhecem na luta ou se acomodam em salas confortáveis ou gabinetes) na luta com estudantes.
Seja em universidades na rua ou no trabalho(sabe o que significa trabalho). vai te informar...
Joel

Anônimo disse...

O anônimo das 9:40 já se autoexcluiu, ele "bega busão e não estava lá", com certeza para não perder a novela das 21h.

Anônimo disse...

Eu concordo com o anônimo das 9:40.
Por que os estudantes não vão para as ruas reclamar da fortuna que estão gastando para a Copa? Metade vai para os conhecidos bolsos (partidos políticos, empreiteiras, lobistas).
Por que não vão para as ruas protestar pelas crianças que morrem na fila do SUS porque não tem vaga nos hospitais? (hoje morreu mais uma). Por que não protestam pela cração de mais um Ministério para adoçar bico de aliados? Por que não protestam pela criação de mais uma estatal para empregar os "cumpanheiros"? Por que não protestam contra aquela farra na Itália com a Dilma e sua comitiva (??????) visitando o Papa?
Quando esses movimentos acontecem somente em determinados períodos e são fatos isolados, está claro que são políticos e sim, manipulação de massas de manobra. Por isso o anônimo disse que não estava lá apesar de pegar busão. Nem todos nós temos mais de dois neurônios para entender os verdadeiros objetivos desses movimentos sem pé nem cabeça.

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